domingo, 3 de julho de 2011

O Dia Mais Glorioso.

    Ele caminhava. Ele caminhava entre as ruas da cidade devastada e se sentia bem. Sentia-se bem caminhando por entre os destroços de uma civilização não civilizada, que se autodestruíra no decorrer do tempo. Havia marcas de sangue no chão e o som da guerra embalava o local em que caminhava despreocupadamente. Tinha todos os motivos do mundo, do céu e da terra para se sentir menosprezado, odiado e mal vindo naquele local. Por onde passava, as flores morriam, a água secava e as pessoas gritavam seu nome, fazendo sinais de desaprovação e de medo. “Demônio” ouvia um homem gritar. “Maldito” ouvia-se outro, mas não se importava. Tinha estabelecido uma missão ali e iria efetuá-la com sucesso.
    Por entre os caminhos tortuosos que se seguiam a sua frente, alguns curiosos se viam indo com ele em direção ao júbilo de sua realização. Em determinados momentos, via de relance uma luz cintilar e ouvia o nome de seus irmãos. Os irmãos que não eram mais irmãos, mas que ainda o amavam como tal. Os mesmos irmãos que um dia o expulsaram de sua casa, com medo de suas profecias perturbadoras, agora viam que a razão sempre esteve com ele. Olhavam-no e deliberadamente curvavam a cabeça em sinal de humildade, a mesma humildade que o pai de todos um dia ensinara.
    Seu pai havia sumido. Havia se rendido ao poder incontrolável do que criara. Criara monstros, monstros sem leis, monstros hipócritas que criavam leis, mas não as seguiam. Monstros que fechavam os olhos diante de barbaridades causadas à inocentes. Inocentes? Havia algum inocente naquele lugar? Um antro de pecadores, uma pocilga que os seres inferiores chamavam de Terra. Mas, o que é a Terra, senão um borrão de coincidências existenciais, um lugar que todos os seres afirmavam ter sido criado com amor, o mesmo amor que lhes era permitido matar, destruir e humilhar. O amor de seu santo pai, o amor pelo qual eles julgavam terem a santíssima liberdade de julgar.
   Ele sempre foi assim, determinado. A única derrota que sofrera tinha causado danos permanentes, mas, soube continuar sua espera e deixar que tudo que um dia dissera e alertara se tornasse real. Soube esperar. E agora, caminhando em êxtase com seu sobretudo preto, coturno de couro e seus colares de prata, seguia para sua última realização. A última realização, sem dúvida. A realização que outros depois dele haviam alertado e ao alertarem, serem chamados de loucos e serem dizimados ao poder maior. Um deles, os Maias, ah e como ele amara os Maias. Eram os poucos seres que seu pai criara que tinham o conceito certo de civilização. E, infelizmente, os últimos.
   Foi andando, seguindo para a perdição do lugar que um dia prosperara. Prosperara à custa dos pobres pecadores ignorantes, que temiam a palavra do santíssimo pontífice. Ele um dia gostara daquele lugar. Gostava do ar civilizado que ali se detinha, gostava do solo embalado com os sonhos da Renascença de Da Vinci, Rafaello, Michelangelo e tantos outros que lhe haviam dado prazer com suas magníficas realizações. E ainda ficava deslumbrado ao passar pela bela Praça de São Pedro com seus monumentos dignos de muito ouro e muito mecenato. O Obelisco, por exemplo, uma criação ardil e vulgar, mas que prendia sua respiração por um pequeno detalhe: A pequena pedra de prata no topo do monumento, onde os próprios artistas escreveram Laus Deo (Deus Seja Louvado), que era uma preciosa prova da veneração e do temor ao poder divino.
   Sendo assim, foi em direção a Basílica de São Pedro, onde seu anfitrião o aguardava. Pediu a seus devidos seguidores que o aguardassem, e entrou no belo salão onde o ouro da exploração alheia ainda brilhava incólume.
   Então, o momento chegara. Ali em sua frente estava o homem com quem deveria dar o veredicto final. O santíssimo esquecido, o santíssimo que era a voz de seu Pai na Terra. O Pontífice Máximo. O Papa.
   Bravius V era um homem incrivelmente velho. Havia sido escolhido em um conclave realizado às pressas e acabou por se tornar o último santíssimo Papa da Terra. Olhou seu convidado e sorriu. A primeira coisa que disse causou um zunido ao ouvido do homem de preto. “Demônio, você está excomungado, não pode entrar em solo sagrado”. Foi totalmente humilhante ouvir aquilo e simplesmente fora a gota d’água para o belo convidado, pois dentre todos aqueles homens e mulheres ignorantes, em sua frente havia um homem inteligente e ambicioso que sabia discernir as coisas. Sabia identificá-lo e por isso, tomou aquilo como um valioso insulto, alegando que odiava ser chamado de tal nome, uma vez que seu Pai havia lhe dado um digno de si. Luz Fixa, esse era o seu nome. O iluminador dos caminhos, o exilado do santíssimo céu que servia de teto a todos. Lúcifer, no dialeto ignorante das pessoas.
   O Papa levantou-se e num esforço inútil começou a gritar maldições em latim, dizendo que o demônio não podia vir parar naquele lugar sagrado. Não podia estar ali, o desgraçado que destruiria todos os homens, o infeliz que trouxe a miséria e as doenças para o mundo. O sacrílego infame que ousou desafiar seu Pai. Sem dúvidas aquilo foi um último esforço inútil aos ouvidos do convidado, que estava de pé no altar da Basílica, esperando pacientemente sua hora de falar.
   E falou. Falou em uma voz tão clara e alta que todos os seres ainda vivos naquele pobre planeta ouviram. Falou tão alto como quatros cornetas vindas dos quatro cantos do Mundo. E eles ouviram suas palavras, ouviram seus questionamentos. Ouviram ele questionar se, com todos aqueles homens e mulheres que viviam cobiçando os bens alheios, que viviam de intrigas causada por si próprios, que humilhavam, atordoavam, torturavam e matavam-se uns aos outros, se ele ainda era o demônio ali. Alegou que não era um demônio especial. Era apenas mais um, mais um entre todos esses demônios infames que enriquecem as custas de pessoas pobres, que levam a miséria a todos os iguais, que criam as doenças, que comem a carne e destroem a alma de seus próprios filhos. Eles mesmos haviam se destruído. O lugar que um dia chamaram de lar, era uma infâmia perturbadora de hipocrisia e melodias de morte. E após suas palavras, o silêncio teve um êxodo especial e de longe as estrelas de fogo começaram a despencar dos céus e a tempestade divina iniciou-se ao comando do Convidado do Papa e anfitrião nos eventos seguintes da amada e estéril Terra.
   E ali, na Terra, no dia exato em que seus queridos Maias previram, iniciou-se o dia mais glorioso. Iniciou-se o Apocalipse.
  

5 comentários:

  1. Amooooo os seus textos, com certeza sou sua fã nº1, só não creio como uma pessoa da sua idade pode escrever tão bem assim.:D Beijos. ;*

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  2. HUAHSUAHSUAHS, muito obrigado querida, certamente sou eu mesmo quem escreve, obrigado por acompanhar o blog. Um beijo!

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  3. Gosto pra caramba dos teus textos. Muito bons mesmo, deveria escrever um livro, com certeza eu leria. *--*

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  4. MUITO OBRIGADO! sem dúvidas, um livro está nos meus planos, mas não agora.. Obrigado!

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