sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Semente.

"O homem é um semeador.
Semeia a dor que sente,
Semeia a dor que deveras mente.
Só não semeia a doce dor do amor, a mais pura semente."

"O homem também é um curador.
Cura a dor de amar,
Cura sem pesar.
Cura a dor do amor, antes mesmo de testar."

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A Maldição da Espécie. (parte um)

contador de visitas
Jobbörse Frankfurt am Main
 
  Pouca gente sabe, mas existe um mundo paralelo ao nosso redor.
  Quando o antigo Egito ainda era uma criança inocente e os seres humanos estavam apenas iniciando a civilização, o Império já possuía um comandante e ele não era um faraó. O mundo era reinado pelos felinos, os gatos. Seu comandante, ou melhor, sua rainha, era a Deusa Gata, Bastet, que após se libertar do domínio de Rá, decidiu criar sua própria raça, seu próprio reino, escravizando os humanos, a criação primordial de Rá, como vingança pela sua substituição pela deusa leoa, Sekhmet.
  Bastet liderava com crueldade, obrigando os humanos a projetar e a construir templos de adoração, cidades e estátuas, dentre elas, a Esfinge, que era um retrato da própria Deusa. Os gatos reinavam o caos e construíram a base da sociedade egípcia. Até os homens encontrarem seu melhor amigo.
  Anúbis, o deus cão, apiedado dos humanos devido à crueldade do reino de Bastet, decidiu dar-lhes uma dádiva. Um animal treinado, que teria como único inimigo o gato. Anúbis ofereceu aos humanos um exército canino, o único no mundo todo que poderia destruir a ira de Bastet.
  Após uma batalha sangrenta, os cães conseguiram subjugar os gatos, e o general de Anúbis, Tutmés, um humano que liderava o saque decidiu tomar a coroa para si. Como Anúbis havia oferecido vigor aos escravos, logo eles se tornaram soldados, e após a derrota de Bastet, defenderam a traição de seu general e se opuseram a Anúbis.
  O deus decidiu retirar seu exército no mesmo instante, jurando vingança à Tutmés, porém, com o Cetro Delta roubado de Bastet, Tutmés derrotou Anúbis, enviando-o de volta ao Duat, o reino dos deuses, escravizando os cães e os colocando como defensores do reino. Ingênuos, os cães aceitaram o domínio. Os anos se passaram e o cão ficou conhecido como o melhor amigo do homem.
  Após serem enviados de volta ao Duat, Bastet e Anúbis criavam seus planos de vingança. Anúbis criou uma raça especial de cães e os enviou para a Terra, para servirem de seus olhos diante das futuras gerações da família de Tutmés. Bastet criou uma nova espécie felina, que destruiria os cães e os humanos.


  Pele negra. Pêlos cor de ébano. Dentes a mostra. Beleza que caracteriza muito bem a sua raça. Khisen é um cachorro da raça pharaoh hound, ou cão do faraó em inglês, descendente de uma raça antiga do Egito, que se espalhou para o Mediterrâneo e para as regiões do mundo. E o que seus donos, Félix e Ravena do Brooklyn não sabem, é que Khisen descente do próprio Anúbis.
  Khisen era um cão muito vigoroso. Adorava passear e brincar com seus donos. E também era muito observador. Quando ia até a cidade, ficava de olho aguçado nos humanos, vendo as crueldades que eram capazes perante os outros cães. Em uma certa viagem à Nova York, até ficara sabendo de uma mulher que espancara um cachorrinho inofensivo no Brasil. E, refletindo naquela noite, Khisen jurou que deveria proteger seus donos, pois eles eram os poucos que eram cuidadosos e carinhosos com os animais, principalmente com ele. E foi nessa mesma noite que o fim do mundo para Khisen começou.
  Havia dias, ele havia avistado um gato muito branco, com olhos vermelhos ferozes o observando do outro lado da cerca, mas não havia sido instigado o suficiente para latir ou persegui-lo – até a noite em que ele pulou a cerca. Sorrateiro, o gato passou pela piscina e pela tigela de ração de Khisen, enquanto ele dormia. O gato subiu até a janela do segundo andar da casa e miou. Khisen acordou de ímpeto e começou a latir, remontando as suas origens, sua função primordial que era destruir os gatos, principalmente os fofos e brancos, que com apenas um miado solitário conseguiam invadir a sua casa.
  Khisen começou a receber menos atenção desde a noite em que o gato foi colocado para dentro de casa, à medida que seus donos decidiram criá-lo. Ramsu. Esse foi o nome escolhido por Ravena ao gato. Fora decidido que Khisen não iria mais entrar em casa, até que se acostumasse com o gato e parasse de tentar mordê-lo.
  Ramsu tinha um comportamento estranho. Certo dia, observando da janela, Khisen viu o gato acolhido no sofá, observando-o do colo do dono, Félix. O gato miou, um som tão agudo que foi como se apenas Khisen tivesse escutado – não, ele percebeu, não só isso. Foi enviado diretamente para mim.
“Fique fora disso e a morte deles será rápida, servo de Anúbis”, uma voz estridente ecoou nos ouvidos de Khisen. Ele latiu, a única coisa que podia fazer. Já havia sonhado com aquilo, era como um flashback. Só que no seu sonho, seu dono usava trajes antigos e sua dona tinha pose de rainha e a pior consideração lhe ocorreu: No sonho, os soberanos eram mortos por gatos.
  Ele latiu. Latiu por horas, até levar uma bronca de seus donos, durante a noite. Ele olhou para o batente da janela e lá estava Ramsu, com os olhos vermelhos brilhantes na escuridão.
  No dia seguinte, quando acordou, o gramado e as flores de Ravena estavam todas destruídas. Ao se deparar com a cena, Félix, se chateou e com um chute, mandou Khisen para o canil, dizendo que ele iria ficar sem comer, até se comportar. Porém, o cão sabia que aquilo era obra do gato. E sabia que aquilo era uma tentativa de afastá-lo de seus donos. O gato ia agir essa noite.
  Naquela noite, Ravena foi até o canil alimentar Khisen e libertá-lo do cárcere, dizendo que ele não tinha culpa, tinha feito aquele estrago por ciúmes de Ramsu. Khisen lambeu o rosto de Ravena e em seguida, partiu diretamente para a porta da sala, que estava entreaberta, uma opotunidade única. No instante que entrou viu o gato. Surpreso, o gato se metamorfoseou em um humanóide de dois metros com cabeça de gato. Um pingente em forma de delta brilhava em seu pescoço e Khisen sabia o que significava. No mesmo segundo, Félix adentrou o recinto e com um leve movimento das patas, Ramsu arrancou a cabeça do dono. Khisen correu para o jardim, a ponto de defender Ravena do monstro que fora acolhido em seu lar. Porém, assim que trespassava o batente da porta, Khisen levou um choque, vindo de trás, que o jogou do outro lado do jardim, de encontro com a cerca. Antes de ficar inconsciente, ele ouviu os gritos de morte de Ravena e quando tentou se levantar, caiu sobre seus dedos, que lhe pareciam diferentes. E então, a última coisa que viu, foi que estava amaldiçoado. Estava se transformando em um humano.


 Nota: Eu tive um insight com essa história hoje e pensei que seria legal apostar nela. Decidi dividi-la em três partes, depois de refletir muito sobre a moral da história e adicionar um pingo de mitologia, que é o que o povo gosta. Semana que vem posto a segunda parte. Espero que tenham gostado, aceito sugestões para a continuação, só deixar um comentário. Beijo!

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A Última Ceia.

  O salão era dourado e resplandecia com a luz divinal do amanhecer.
  O Anfitrião caminhava impaciente, de um lado ao outro do salão, ansioso para a chegada dos seus convidados. Ansiava por tomar as decisões necessárias sozinho, porém, isso causaria uma desarmonia maior ainda entre Eles e também, Ele não se achava mais nesse direito, uma vez que estava desaparecendo, assim como todos os outros convidados.
  Sentou-se na cabeceira da mesa e procurou acalmar-se. Seu Filho sentou-se ao seu lado, com um leve sorriso no rosto e um olhar preocupado, lançado sobre o salão vazio. A mesa havia sido cautelosamente dividida, para demonstrar que não havia superioridade entre nenhum Deles ali. Havia, em uma cabeceira, uma tríade de cadeiras, porém, adjacentes à tríade, haviam apenas cadeiras altas, uniformemente distribuídas para os convidados que viriam sozinhos. Seus corações se apertaram quando Eles começaram a chegar.
  A primeira cadeira, ao lado do Anfitrião foi ocupada por um homem corpulento e altivo, que como saudação dera apenas um aceno de cabeça, nada mais. Trazia sua clave junto ao corpo, símbolo de sua força. Como companhia, trouxera sua esposa, a Mulher-de-Três-Faces, rainha dos antigos homens da Europa, os Celtas. Eram os deuses Dagda, Senhor Supremo Celta e Danu, sua esposa.
  Poucos minutos depois, o homem-elefante entrou no salão, bufando pela má companhia ao seu lado, aquela que passara a vida repetindo que ela destruiria tudo e apenas ela. Ganesha e Kali sentaram, de má vontade, um ao lado do outro. Assim que se sentaram, mais convidados foram introduzidos no salão. Shangdi, com seus olhos apertados e desconfiados, nativos de seu domínio, a China, sentou-se rapidamente, alegando que tinha pressa. Cernunnos, o mais fraco dos Senhores ali presente, Senhor da antiga religião wicca, sentou-se, com o auxílio de um serviçal, ao lado oposto de Dagda, seu inimigo. Um momento depois, um trovão rugiu do lado de fora e Thor foi introduzido no salão, ao lado de seu pai, Odin, sem a mínima educação de saudar os Outros presentes. Para preocupação de todos, Osíris viera acompanhado de seu irmão e rival mais fiel, Set, dizendo com suas vozes penetrantes, que o Senhor Supremo Rá não poderia estar presente, uma vez que fora ao reino dos homens saudá-los pela recente vitória perante um ditador qualquer do Egito.
  O Anfitrião já ia começar seu discurso acerca dos motivos e preocupações que os trouxeram ali, quando a segunda aliança mais poderosa presente foi introduzida na sala. Sempre discutindo entre si, os três irmãos ocuparam seus lugares junto à mesa. Eram Zeus, Poseidon e Hades.
  Como a reunião estava completa, o Anfitrião se levantou e iniciou.
  - Sabem por que foram chamados aqui, irmãos. Temos que tomar providências relevantes acerca do pequeno Reino dos Homens e...
  - Por favor! Não nos chame de irmãos. Sua existência está sendo a nossa destruição, acho indigno de sua parte nos tomar como até mesmo, amigos. – Interrompeu Hades.
  O Filho do Anfitrião se levantou.
 - Quanta blasfêmia! Meu pai e eu estamos tentando trazer paz ao Reino dos Homens, irmãos! Entendam isso.
 - Paz? Estão a quanto tempo prometendo paz? Você está prometendo paz há 2012  anos! E eu, não a vejo em lugar nenhum! – Odin rugiu.
 - Nossos recursos estão se esgotando, senhores. Precisamos de vossa ajuda para cumprir nossa missão de Paz. – Disse o Anfitrião.
 - Sua religião destruiu as nossas e ainda quer nossa ajuda? Eu fico mais fraco a cada dia, uma vez que poucos são aqueles que ainda crêem na minha existência. Nós éramos os senhores supremos dos homens. – Ergueu a voz, Cernunnos - Eles nos temiam, nos veneravam. Até vocês dois chegarem a Terra e prometer PAZ! Querem uma dica? Nunca deveriam ter prometido paz, pois essa é uma condição inatingível aos homens. Deveriam ter imposto seu domínio, assim como nós.
 - São por esses motivos que vocês estão se destruindo. Por esses motivos que nós todos estamos morrendo. Olhem para os homens. Eles não são nada. São coisas frágeis que necessitam de algo superior para governá-los, precisam de coisas para que idolatrem. Precisam ser castigados. Precisam ser punidos! Paz nunca foi o objetivo dos homens. Sempre haverá alguém superior. Sempre haverá um homem que se achará um Deus perto dos outros. Sempre. – Set cuspiu aquelas palavras diante de seus anfitriões.
 - Acontece, irmãos, que os homens estão cada vez mais presos à carne e à matéria. Eles não acreditam mais em nós, em nenhum de nós. Os poucos que acreditam são chamados de loucos, fanáticos e obcecados. Temos que tomar alguma providência acerca disso, senão vamos todos desaparecer! – o Filho do Anfitrião suplicou – Por favor, irmãos. Precisamos nos unir.
 - E o que vamos ganhar com isso? Ninguém mais crê em nós. Somos tachados como simples mitologia agora. Somos meros deuses que foram criados pelos homens para justificar fenômenos da natureza! Somos fracos! Sabe o que vamos ganhar levando paz ou fé aos homens? O predomínio, repetidamente, da religião cristã. – Ganesha e Kali se pronunciaram em uníssono. – Vamos desfalecer, amigos, mas, vamos desfalecer todos de uma só vez. – E após aquelas palavras rudes, os deuses hindus se retiraram da mesa e desapareceram em um brilho tênue.
- Os homens não querem paz, Jeová. Querem destruição, poder, anarquia. Desejam se  destruir uns aos outros, por sua malevolência e ganância. Não há nada que possamos fazer. Apenas sentar e assistir ao espetáculo da destruição. – Esbravejou Dadga – De nada somos capazes, se eles querem ir contra seus próprios princípios, que se destruam. Nada podemos fazer contra eles. Não podemos nos virar contra nossos criadores.
  Dagda e Danu se levantaram calmamente da mesa, acenaram para Jeová e seu filho e, seguidos por Cernunnos, foram embora, para sempre.
 - Os homens nos criaram, Geová. Somente eles podem nos destruir. – Shangdi estava se despedindo. – Adeus, gostaria de poder dizer que seria bom revê-lo.
  Geová e seu filho, Jesus, observavam a sala se esvaziar e seus convidados partirem sem prestarem a ajuda que lhes fora solicitada.
 - Se ninguém mais crê em nós, não vale a pena salvá-los, é o que vos digo! Aasgard estará disponível, se quiserem nos visitar. Muito embora, eu julgue que nós não tenhamos muito tempo de existência. Ficamos mais fracos cada dia que passa. Perdemos nossos poderes. Nada podemos fazer. – Thor dirigiu aquelas palavras estranhamente educadas ao Filho e, ajudando seu pobre pai, Odin, se foi para seu castelo no céu do outro lado do mundo.
  Finalmente, Zeus, Poseidon, Hades, Set e Osíris ficaram a sós com os anfitriões da reunião. Ficaram por um momento cansativo se entreolhando e por fim, sem dizer nenhuma palavra, todos se retiraram ao mesmo tempo.
  Jeová voltou ao seu estado se nervosismo ao lado do Filho, sem saber o que fazer, nem dizer. Em poucos dias viria o Reinos dos Homens desaparecer e junto com eles, ele próprio e sua religião.
  - Isso nunca foi sobre salvar os homens não foi, Jeová? Essa encenação toda foi sobre salvar sua própria cabeça e sua religião! Eles te criaram, eles te destruirão. Eles te colocaram no poder, eles te deporão. No fim, você nunca foi Deus. Deus sempre foi o Homem. O Homem, que é o único ser capaz de criar e destruir, amar e odiar. Você sempre julgou ter recebido todo o poder dos homens, mas, você na verdade foi apenas um símbolo, uma prova do poder deles. E agora eles não precisam mais de você. – Jeová, aturdido com aquelas palavras que só poderiam vir de um único ser, um único convidado que não era bem vindo, olhou para a soleira da porta e viu Lúcifer. – Os homens sempre foram os verdadeiros deuses. Todos sempre tiveram todos os poderem que um Deus pode ter. Mas, infelizmente, optaram por usar apenas o poder da Destruição.
   E juntos, do alto dos Céus, os anfitriões e o convidado que nunca fora bem vindo, vislumbraram os últimos momentos do Reino dos Homens, assim como vislumbraram seus últimos momentos de existência.
  Eles nos criaram. Nós os destruímos.

sábado, 17 de setembro de 2011

Sertão de Pedra

    Eu sempre fui obstinado."Obstinado". Bom, na verdade, eu nunca soube o que isso realmente significava, só que fora a palavra que eu mais ouvira na Cidade Grande, depois da minha retirada do Sertão.
    Vim de lá do grande Sertão, da terra seca, onde residem homens com a alma tão seca quanto. Do lugar onde a Miséria reina e a Fome, a Sede e a Ignorância lhe prestam vassalagem, compondo a grandiosa corte da Desigualdade no nosso país.
    Cheguei em uma larga carruagem motorizada, que palpitava a cada metro percorrido em um extensão notória, como se fosse o meu amigo Velho Chico, só que de uma composição diferente, cinza e preto, que chamam de pavimento.Assim, mesmo cansado, fui logo atrás de um bom senhor que me desse uma ocupação para me honrar a seca alma. Insisti especialmente em um mesmo Velho, abordando-o várias vezes, até convencê-lo de que eu seria ótimo para o cargo proposto. Consegui um rumo até o lado do Sol. "Obstinado" disse ele, ao me contratar para servir mesas, em seu pequeno restaurante de comidas típicas do meu Sertão.
   Eu sempre tivera um sonho. Simples, confesso, tão simples quanto eu mesmo. Sempre quis ter um Jardim formoso e verde, perfumado dignamente, uma dádiva que não era dada por meu bom Deus e nem por meu Padin Ciço lá no meu Sertão. Cansei de ouvir que preto-queimado-de-sol, cabeça-chata e pé-largo, aqui na Cidade Grande não tinha vez. Ora, vivemos todos no Brasil. Porque, eu, um sujeito homem, trabalhador, não mereço as mesmas chances de provar que "posso" como os que nunca enfrentaram o Sol ardido de uma tarde na Cana? Pensei um dia, que eu era menos brasileiro que os brasileiros. 
  Mas, eu continuei. Para um homem como eu, quando as portas se fecham, só resta continuar caminhando, batendo em várias outras fechaduras, até encontrar uma que esteja aberta. Me dei valor através da desvalorização, cumpri meu papel de "obstinado" e após muito suor, arrumei minha vida nos trilhos certos, e além disso, alguém com quem dividir meu leito e me dar umas bençãos. Depois da luta, depois de encarar o Sertão de Pedra, que era de pedra, mas não era menos cruel que o meu outro Sertão, vi o arco-íris florescer no meu quintal e por sobre a humilhação que carreguei pelo Sertão, aprendi a dar valor ao meu jardim, porque quintal de vizinho nenhum é mais verde que o meu de Direito.


"Esse conto, foi escrito por mim, com a finalidade imposta por um teste. Simplesmente, foi o tema sugerido pela narrativa da Unicamp em 2010. Decidi compartilhar com vocês, mesmo que não seja o meu estilo de Literatura... Sendo assim, não estranhem, só tentem apreciar."

domingo, 3 de julho de 2011

O Dia Mais Glorioso.

    Ele caminhava. Ele caminhava entre as ruas da cidade devastada e se sentia bem. Sentia-se bem caminhando por entre os destroços de uma civilização não civilizada, que se autodestruíra no decorrer do tempo. Havia marcas de sangue no chão e o som da guerra embalava o local em que caminhava despreocupadamente. Tinha todos os motivos do mundo, do céu e da terra para se sentir menosprezado, odiado e mal vindo naquele local. Por onde passava, as flores morriam, a água secava e as pessoas gritavam seu nome, fazendo sinais de desaprovação e de medo. “Demônio” ouvia um homem gritar. “Maldito” ouvia-se outro, mas não se importava. Tinha estabelecido uma missão ali e iria efetuá-la com sucesso.
    Por entre os caminhos tortuosos que se seguiam a sua frente, alguns curiosos se viam indo com ele em direção ao júbilo de sua realização. Em determinados momentos, via de relance uma luz cintilar e ouvia o nome de seus irmãos. Os irmãos que não eram mais irmãos, mas que ainda o amavam como tal. Os mesmos irmãos que um dia o expulsaram de sua casa, com medo de suas profecias perturbadoras, agora viam que a razão sempre esteve com ele. Olhavam-no e deliberadamente curvavam a cabeça em sinal de humildade, a mesma humildade que o pai de todos um dia ensinara.
    Seu pai havia sumido. Havia se rendido ao poder incontrolável do que criara. Criara monstros, monstros sem leis, monstros hipócritas que criavam leis, mas não as seguiam. Monstros que fechavam os olhos diante de barbaridades causadas à inocentes. Inocentes? Havia algum inocente naquele lugar? Um antro de pecadores, uma pocilga que os seres inferiores chamavam de Terra. Mas, o que é a Terra, senão um borrão de coincidências existenciais, um lugar que todos os seres afirmavam ter sido criado com amor, o mesmo amor que lhes era permitido matar, destruir e humilhar. O amor de seu santo pai, o amor pelo qual eles julgavam terem a santíssima liberdade de julgar.
   Ele sempre foi assim, determinado. A única derrota que sofrera tinha causado danos permanentes, mas, soube continuar sua espera e deixar que tudo que um dia dissera e alertara se tornasse real. Soube esperar. E agora, caminhando em êxtase com seu sobretudo preto, coturno de couro e seus colares de prata, seguia para sua última realização. A última realização, sem dúvida. A realização que outros depois dele haviam alertado e ao alertarem, serem chamados de loucos e serem dizimados ao poder maior. Um deles, os Maias, ah e como ele amara os Maias. Eram os poucos seres que seu pai criara que tinham o conceito certo de civilização. E, infelizmente, os últimos.
   Foi andando, seguindo para a perdição do lugar que um dia prosperara. Prosperara à custa dos pobres pecadores ignorantes, que temiam a palavra do santíssimo pontífice. Ele um dia gostara daquele lugar. Gostava do ar civilizado que ali se detinha, gostava do solo embalado com os sonhos da Renascença de Da Vinci, Rafaello, Michelangelo e tantos outros que lhe haviam dado prazer com suas magníficas realizações. E ainda ficava deslumbrado ao passar pela bela Praça de São Pedro com seus monumentos dignos de muito ouro e muito mecenato. O Obelisco, por exemplo, uma criação ardil e vulgar, mas que prendia sua respiração por um pequeno detalhe: A pequena pedra de prata no topo do monumento, onde os próprios artistas escreveram Laus Deo (Deus Seja Louvado), que era uma preciosa prova da veneração e do temor ao poder divino.
   Sendo assim, foi em direção a Basílica de São Pedro, onde seu anfitrião o aguardava. Pediu a seus devidos seguidores que o aguardassem, e entrou no belo salão onde o ouro da exploração alheia ainda brilhava incólume.
   Então, o momento chegara. Ali em sua frente estava o homem com quem deveria dar o veredicto final. O santíssimo esquecido, o santíssimo que era a voz de seu Pai na Terra. O Pontífice Máximo. O Papa.
   Bravius V era um homem incrivelmente velho. Havia sido escolhido em um conclave realizado às pressas e acabou por se tornar o último santíssimo Papa da Terra. Olhou seu convidado e sorriu. A primeira coisa que disse causou um zunido ao ouvido do homem de preto. “Demônio, você está excomungado, não pode entrar em solo sagrado”. Foi totalmente humilhante ouvir aquilo e simplesmente fora a gota d’água para o belo convidado, pois dentre todos aqueles homens e mulheres ignorantes, em sua frente havia um homem inteligente e ambicioso que sabia discernir as coisas. Sabia identificá-lo e por isso, tomou aquilo como um valioso insulto, alegando que odiava ser chamado de tal nome, uma vez que seu Pai havia lhe dado um digno de si. Luz Fixa, esse era o seu nome. O iluminador dos caminhos, o exilado do santíssimo céu que servia de teto a todos. Lúcifer, no dialeto ignorante das pessoas.
   O Papa levantou-se e num esforço inútil começou a gritar maldições em latim, dizendo que o demônio não podia vir parar naquele lugar sagrado. Não podia estar ali, o desgraçado que destruiria todos os homens, o infeliz que trouxe a miséria e as doenças para o mundo. O sacrílego infame que ousou desafiar seu Pai. Sem dúvidas aquilo foi um último esforço inútil aos ouvidos do convidado, que estava de pé no altar da Basílica, esperando pacientemente sua hora de falar.
   E falou. Falou em uma voz tão clara e alta que todos os seres ainda vivos naquele pobre planeta ouviram. Falou tão alto como quatros cornetas vindas dos quatro cantos do Mundo. E eles ouviram suas palavras, ouviram seus questionamentos. Ouviram ele questionar se, com todos aqueles homens e mulheres que viviam cobiçando os bens alheios, que viviam de intrigas causada por si próprios, que humilhavam, atordoavam, torturavam e matavam-se uns aos outros, se ele ainda era o demônio ali. Alegou que não era um demônio especial. Era apenas mais um, mais um entre todos esses demônios infames que enriquecem as custas de pessoas pobres, que levam a miséria a todos os iguais, que criam as doenças, que comem a carne e destroem a alma de seus próprios filhos. Eles mesmos haviam se destruído. O lugar que um dia chamaram de lar, era uma infâmia perturbadora de hipocrisia e melodias de morte. E após suas palavras, o silêncio teve um êxodo especial e de longe as estrelas de fogo começaram a despencar dos céus e a tempestade divina iniciou-se ao comando do Convidado do Papa e anfitrião nos eventos seguintes da amada e estéril Terra.
   E ali, na Terra, no dia exato em que seus queridos Maias previram, iniciou-se o dia mais glorioso. Iniciou-se o Apocalipse.
  

domingo, 26 de junho de 2011

Segredo

    João Pedro tinha uma vida perfeita. Tinha a escola perfeita, os amigos perfeitos, um futuro promissor e acima de tudo, tinha a família perfeita.
    Filho de um engenheiro consagrado no ramo civil de São Paulo com uma ex-diplomata, João era o primogênito, tendo apenas um irmão, cujo desde pequeno demonstrava as habilidades do pai para com cálculos e contas imensas, ao contrário de João, que tinha grande talento oratório e representativo, tal como a mãe.
   João ouvia seus amigos reclamarem de como seus pais sempre brigavam, discutiam ou até mesmo se divorciavam. Uma de suas amigas era órfã de pai, fato que João realmente lamentava, assim como todos os outros casos de família que ouvia, uma vez que ele possuía a família que todos desejavam: A perfeita.
  O garoto promissor tinha uma afeição em especial excesso por sua mãe. Passava grande parte do tempo com ela e assim, faziam as mesmas coisas e João pretendera seguir a mesma carreira de Célia, sua querida mãe. Seu relacionamento com o pai era na maioria das vezes, um pouco competitivo e se enquadraria no quesito “profissional”, porém, João o amava, não somente por ele ser seu pai, como também por ele fazer sua mãe feliz.
  Foi então que o destino resolveu intervir na vida perfeita da família Albuquerque. O maravilhoso e incontestável destino resolveu pregar uma peça em João, cujo não tinha assim tanta fé no poder de ação desse agente invisível.
  João estava seguindo sua deliciosa rotina, quando decidiu quebrá-la, mesmo que um pouquinho. Desviou-se do caminho retilíneo para a escola e fez um percurso totalmente diferente, por ali mesmo no bairro onde morava, na Granja. Foi por volta de uns quinze minutos de caminhada, que ele avistou o carro. O Astra Opel prateado de seu pai, sem dúvida alguma estava parado diante de uma casinha, nem tão simples, porém exprimida entre duas construções maiores. Já estava sorrindo em direção ao local, quando seu pai, Carlos, saiu por entre uma porta de madeira rústica e aparentemente pesada, com pressa, seguido por uma mulher alta com o corpo muito bem desenhado por baixo de um suéter de lã dourada.
  Fez a menção de cruzar o caminho de ambos, quando a uma pequena distância, viu seu pai beijando a mulher reta e esbelta. João simplesmente se agachou e ficou ali, encolhidinho entre alguns arbustos de sálvia e um punhado de girassóis.
  Um beijo. Um simples beijo e seu mundo ruíra. Seu pai estava traindo sua mãe, e pior, estava traindo a sua confiança, confiança que tinha entregue ao pai, sob a promessa silenciosa de paz e felicidade. Perfeição. Perfeição. Perfeição. A maldita palavra ecoava em sua mente enquanto retomava o caminho para casa e se aninhava debaixo de seus cobertores em caracol. Perfeição. A perdera há muito, pelo jeito, só que foi muito cego para não ver.
  Pouco depois do almoço, seu pai chegou, já dizendo o quanto amava os filhos e a esposa. “Cretino”, “Traidor”, “Mentiroso”. João só conseguia pensar na figura que um dia admirara traindo sua paz, traindo sua perfeição. Matutou a maldita cena em sua mente pervertida pela incompreensão, quando decidiu ir até a casa onde, mais cedo, vira a infame cena de traição.
  Traição. Essa era a palavra. Não só a traição conjugal, mas a traição de um pai para com um filho. A traição da perfeição. E isso, João não perdoaria. Vestiu seu melhor casaco e se dirigiu no melhor de seus dezesseis anos até a casa, a casa exprimidinha que vira mais cedo.
  Chegou. Bateu na porta, clamou por atenção. A mulher esbelta e magra como uma aveleira e tão bela como o fruto, abriu a porta em um sorriso promissor e convidativo para João. A única reação que lhe veio foi de simplesmente cuspir de sua mente tudo o que pensara a tarde inteira sobre aquele vendaval, que poderia destruir seu lar.
  Após uma séria conversa na soleira da porta, a feição da mulher tinha se estreitado e passado de convidativo para receoso. João descarregou tudo que vinha em sua mente sobre sua família perfeita, sobre sua vida perfeita e de como não admitia que uma meretriz sem qualquer relevância, poderia destruir a paz que tinha em seu lar e levar o coração de sua pobre mãe feliz e apaixonada à loucura. Entre as palavras do garoto em histeria, a moça só podia dizer que lamentava e que estava realmente apaixonada por Carlos. Entredentes, João seguiu a mulher, ainda inconformado, até o estacionamento, onde ambos entraram no simplório carro esportivo da moça. Ela dizia que o levaria até o encontro anual de casais que acontecia todo ano ali na Granja mesmo, local onde estariam seus pais e local também, como ela mesma dizia, iriam resolver o assunto em conjunto.
  Aquilo fez o coração de João estremecer. Seu pai sem dúvida não merecia o amor de sua mãe, mas, mesmo assim, não poderia permitir que uma rameira, desprovida do mínimo de inteligência, fosse até um evento público e arruinasse o casamento perfeito de sua mãe.
  No calor do momento, João agiu sem pensar, e sem perceber que estavam em uma rodovia um tanto agitada, começou a desviar a atenção da mulher do volante. Um cargueiro que passava por ali no exato momento do descontrole por parte da bela motorista, levou o simplório carro esportivo ao súcubo das trevas, triunfante em um sepulcro alarmante.
  E, no final das contas, a traição desvaneceu no ar e aquele segredo morreu ali.
 
“Essas alegrias violentas, têm fins violentos, falecendo no triunfo que como fogo e pólvora, num beijo se consomem”
                                      William Shakespeare.

O Comedor de Tintas

       Chapeuzinho Vermelho corria apressada pelos corredores do castelo de Apollo, a residência oficial do conselho honorário de contos de fadas. Ela havia sido convocada até ali para discutir ao lado de vários outros personagens de histórias clássicas sobre um novo inimigo que ameaçava destruir todo o mundo encantado.
        Ao abrir a porta, se deparou com todos os membros voltados com atenção para Rapunzel, que, ao que parecia, estava falando algo muito sério. Foi um dos três porquinhos que quebrou o silêncio:
            – Mas, como vamos destruir um intruso sem saber quem é?
            – Não sei ao certo, querido porco, mas temos que tentar. Agora que estou no comando após as histórias de Cinderela e Branca de Neve serem devoradas -  Rapunzel disse atônita - quero esforço total, uma vez que minha história é a próxima a ser devorada.
       Chapeuzinho olhou em volta e reconheceu vários contos: Os Três Porquinhos, Bela Adormecida, Rapunzel, João e Maria e até Mickey e Minnie estavam presentes.
            – …o devorador de tinta esta acabando com nossas histórias – dizia Minnie desesperadamente.
       Chapeuzinho se apressou a sentar e ergueu o braço, em súplica para dizer algo.
            – Alguém quer dizer algo sobre esse infortúnio? – ergueu a voz, Rapunzel. Todos esperavam os conselhos de personagens mais velhos. Por ser a mais nova, e também não ter príncipe encantado como as outras princesas, nunca ouviam Chapeuzinho.
       Chapeuzinho se ergueu em um salto e disse:
            – Eu tenho algo a dizer sobre… – e foi interrompida por um rugido assustador e melancólico.
       A informação que Chapeuzinho tinha era que, havia um vilão no meio de todos aqueles mocinhos, só não sabia exatamente quem era.
      Com o estrondo do rugido, a abóbada enfeitada com lustre, iluminados do castelo, estremeceu. Havia alguém que fugia ao olhar esperto e jovial de Chapeuzinho. Bela Adormecida permanecera em um sono profundo no canto do Conselho, até que então, de súbito, levantou, pulou por sobre as cabeças de João e Maria e escapou pela porta de madeira da sala, deixando vários olhares interrogativos em torno da lareira.
            –Ela é a espiã… – gritou a voz infantil da pobre Chapeuzinho – o monstro esta aqui, corr…  – e então as vidraças principais de vista para o reino explodiram.
             O monstro que ali surgiu, tinha dentes enormes, olhar cansado e patas com garras afiadas.
            “Esse não é mais um conto de fadas”, pensou Chapeuzinho.
            E não era mesmo, portanto seu final feliz, não era garantido. Em uma boca sepulcral, o monstro comedor de tinta, devorou todos os contos de fadas.
            E esse monstro, atualmente, se chama velhice.